Emanuela Rocha, 37 anos. Técnica em enfermagem no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC). Chegou à unidade no ano de 2006 e, inicialmente, trabalhava no setor e oncologia pediátrica. Após o período de gravidez, voltou ao trabalho, mas em um outro setor. Há 14 anos ela desempenha a profissão na UTI pediátrica.

“Sempre foi meu desejo trabalhar na área de saúde. Desde a infância. Queria ser pediatra, mas não consegui ser aprovada no vestibular. Mas eu precisava encontrar uma forma de cuidar. Então eu procurei a enfermagem e sou formada há 17 anos”, contou a profissional quando lembra da trajetória até aqui.

Quando a pandemia chegou em Pernambuco ela foi uma das profissionais que ficou na linha de frente no enfrentamento. Ela conta quando o que mais a deixou chocada foi o momento em que os pacientes (crianças) precisavam ser separados dos pais. Para ela isso causou forte comoção. “Em pediatria tudo é muito diferente. Parece que o trabalho é mais humanizado. O olhar do profissional para o paciente é mais cuidadoso. E no contexto de pandemia, ter que separar a criança dos seus pais é muito complicado”, relata a técnica.

“Como ela (a criança) está sem o responsável, nosso trabalho se torna ainda mais importante e delicado porque precisamos cuidar para que além da saúde física, a criança não tenha a saúde psicológica abalada por conta dessa ausência”, diz Emanuela sobre o principal desafio no início da pandemia. Ela conta que quando surgiu a COVID-19 a rotina de trabalho mudou completamente. Antes, conta, “os cuidados eram os comuns para a área e função”. Quando o primeiro caso suspeito chegou a ordem foi “fecha tudo. Temos que usar toda a paramentação. Ninguém pode entrar.” Isso foi chocante.
“As crianças que chegaram com suspeita ou confirmação, praticamente eram arrancadas dos braços dos pais e isso era muito difícil de presenciar. A criança gosta do carinho da mãe e, quando não tem, tudo se torna mais difícil”, relata. Quando perguntada sobre o que a pandemia trouxe de mudança para o desempenho da função ela diz: “nosso trabalho ficou voltado a, além e tratar o paciente, dar uma atenção maior a ele para amenizar a ausência dos pais”.

“Muitas vezes tivemos que ser a mãe dessas crianças. Dar colo. Ninar. Dar comida do mesmo jeito que a mãe dava. Isso foi muito desafiador.”
A técnica lembra que, quando chegou o primeiro caso no qual era necessária uma intubação, todo mundo era inexperiente e houve muita dificuldade em saber quais os protocolos a serem seguidos. Esse primeiro caso, segundo ela, foi bem drástico e marcante. Emanuela conta que toda a situação desorganizou a mente de toda a equipe. Segundo ela, houve muita relutância dos profissionais, no início, junto à chefia médica e o método criado para amenizar o problema foi disponibilizar tablets para que as crianças pudessem se comunicar com os pais e parentes através das chamadas de vídeo, que ficaram muito populares desde o início da pandemia. Ela conta que isso ajudou muito, inclusive, no quadro de saúde dos pequenos.

“Eu não desenvolvi nenhum quadro de ansiedade e nem de depressão. Mas não deixou de ser difícil. Eu me recordo que muitas vezes já deixei de ir pra casa por ter medo de levar a doença para lá. E isso foi angustiante”, conta. Emanuela é casada e tem dois filhos. Ela conta que, quando a pandemia chegou no estado, reorganizou toda a estrutura da casa, desde a entrada até os cômodos. “Eu estacionava o carro em casa e todo mundo já saía de perto para não termos contato. Tudo para evitar uma contaminação”, lembra.

“Por trabalhar diretamente nesta situação, eu não tinha contato físico nenhum com ninguém em casa. Usava máscara o tempo todo.”
Ela lembra, com emoção, de uma adolescente chamada Emilly. Ela foi acompanhada pela técnica desde a internação em um outro hospital de rede pública. A paciente teve falência nos membros inferiores e precisou ser intubada quando chegou na UTI do HUOC. “Esse caso me marcou porque depois de toda essa dificuldade ela (a paciente) recebeu alta”, conta Emanuela sobre os casos marcantes durante o trabalho na pandemia.

Emanuela perdeu um tio para a COVID-19. Ela diz que, por trabalhar na área ela sabe de todo o processo ao qual o paciente positivado é submetido. Para ela, a dificuldade maior era saber de tudo e mesmo assim continuar forte para ajudar os familiares diante da situação. “Para mim foi chocante saber dos procedimentos e acompanhar o passo a passo sendo com um familiar meu”, lembra.
O antes e o depois…
“A gente se ressignificou diante da pandemia. Nós que trabalhamos na linha de frente não temos feriado. Não tem dia livre. Minha quarta-feira virou um domingo. Hoje eu aproveito cada momento com minha família. Não sabemos o dia de amanhã. E foi isso que eu aprendi com a pandemia”, relata. “Eu vejo a minha profissão como algo extremamente importante. Sempre vi dessa forma. Mas agora o técnico de enfermagem está recebendo uma maior valorização. Antes o técnico era visto só como alguém de dá banho no leito. Hoje se entende que não é só isso”, enfatiza.

Quando perguntada sobre o trabalho da direção hospitalar diante da pandemia, ela elogia e destaca que foi um trabalho muito bem organizado e rápido. Apesar da falta de conhecimento no início, segundo ela, o hospital conseguiu fazer um trabalho rápido e se superar no enfrentamento à COVID.
A esperança…
“Hoje o sentimento é de alívio. Ainda precisamos de todos os protocolos e paramentações, mas já vemos uma luz brilhando. Já houve momentos em que tivemos que passar doze horas paramentadas. É bem difícil isso. A máscara N95 machuca muito. Então a sensação de que tudo está acabando traz um alívio muito grande para todos nós. O sentimento é de gratidão por tudo está ficando bem”, diz.
E completa: “a mensagem que eu deixo é que, mesmo com tudo melhorando com a chegada da vacina e a diminuição dos casos, devemos continuar com os cuidados. Não é fácil estar na linha de frente e sair do trabalho e ver que muitas pessoas não acreditam na pandemia, que é real. O vírus mata e é perigoso. Peço que as pessoas continuem tomando cuidado.”

Apesar de todas as lutas diante da pandemia, Emanuela consegue sorrir, agora, mesmo por trás da máscara.
