Débora de Lourdes, 48 anos. Fisioterapeuta na Unidade de Terapia Intensiva de Doenças Infecto Parasitárias (UTI-DIP) no Hospital Universitário Oswaldo Cruz (HUOC). Além disso, a profissional desempenha a mesma função na Unidade de Recuperação Cardiotorácica (URCT) pediátrica em outra unidade hospitalar ligada à Universidade de Pernambuco: o PROCAPE.

“Eu sempre me voltei para a área de saúde. Desde a adolescência. Eu nunca tive dúvidas sobre a área que queria seguir na vida profissional”, conta Débora, quando lembra de como entrou na área que escolheu seguir. Ela conta que, antes da chegada da pandemia em Pernambuco, a UTI-DIP já tinha leitos reservados para a COVID-19 desde o mês de janeiro, mas quando o primeiro caso chegou na unidade todos foram pegos de surpresa. Isso se deu, segundo ela, por conta da falta de contato de toda a equipe com a situação. “Era tudo muito novo”, conta.

“Foi muito difícil mentalmente, psicologicamente e fisicamente também. Quando os casos começaram a chegar, em massa, para a UTI, recebíamos pacientes com os pulmões bastante comprometidos que precisavam de um cuidado extremo”, relata. Ela diz que uma das coisas mais difíceis no início foi a adaptação com a paramentação. “Eu cheguei a ter lesões no rosto por conta da N95 (a máscara). A situação era tal que, às vezes, tínhamos vontade de ir ao banheiro e a gente evitava porque isso significaria que era necessário tirar a paramentação e depois colocar tudo de novo”, completa.
“Eu cheguei a ter lesões no rosto por conta da N95. […] às vezes tínhamos vontade de ir ao banheiro e a gente evitava porque isso significaria que era necessário tirar a paramentação e depois colocar tudo de novo”
Ela conta que uma das coisas mais marcantes em todo esse período foi quando a pronação se fazia necessária. Pronar o paciente consiste em posicioná-lo no leito com a barriga voltada para baixo. Débora conta que houve ocasiões de mais de trinta horas com o paciente sendo pronado devido à gravidade do caso. “Tínhamos um protocolo novo para tudo porque tudo no COVID é diferente dos outros casos. E isso gerou muito desgaste no início. Até serem criados protocolos fixos para os casos de COVID, nós tivemos que trocar ideias com outros profissionais e seguir o que era dito pelas autoridades de saúde”, relembra.

A fisioterapeuta tem a responsabilidade de utilizar métodos para reabilitar o paciente. Segundo ela, nem sempre a recuperação total é alcançada, mas o fisioterapeuta tem o papel de melhorar as condições físicas da pessoa que fica na UTI até o momento em que não precisa mais de um cuidado intensivo. Após isso ele é direcionado à enfermaria e fica lá até receber alta. Débora lembra que houve casos em que o paciente foi liberado da UTI e chegou na enfermaria com as condições quase perfeitas para receber alta.


Sobre a condições psicológicas devido ao trabalho, a fisioterapeuta conta que enfrentou dificuldades. Segundo ela, quando surgiu a pandemia, a insônia se tornou presente na rotina. Ela passou a dormir pouco e a ansiedade também aumentou. “Eu começava a sofrer com a ansiedade dois ou três dias antes do meu plantão”, conta. Débora vive com a mãe que tem hipertensão. Ela conta que foi muito complicado ter que mudar todo o funcionamento e comportamento.
“Cada vez que eu saía de um plantão eu saía com a sensação de que eu havia me contaminado.”
“Eu ia pra casa para encontrar minha mãe e meu irmão. Eu tinha que decidir todos os dias se permanecia em casa ou não. Eu perdi peso. Foram cinco quilos a menos. Isso nunca aconteceu comigo”, conta ela. “Houve um plantão que eu não consegui descer para atender os pacientes. Eu chorei muito. Eu fiquei descompensada. Também era muito difícil sair na rua e ver tudo deserto e chegar no hospital para lidar com o desconhecido”, relata.

A profissional fala de um personagem muito importante nesse processo e que também trabalha no HUOC: Pedro. Ele é psicólogo. Débora conta que Pedro a ajudou na hora de decidir se iria ou não sair de casa por conta do medo da COVID. “Eu tinha para onde ir. Duas amigas minhas me chamaram e disponibilizaram um espaço para dividirmos. Mas ele (Pedro) me ajudou a pesar os prós e os contras de qualquer que fosse a decisão”, conta.
“Após isso eu decidi que iria ficar em casa com minha mãe porque ela depende muito de mim. Mas pra isso foi necessária uma readaptação total. Tive que usar máscaras em casa, comer em mesas diferentes também; separei copos, pratos e talheres. Tudo foi reorganizado”, destaca. Débora fala com emoção de um momento, em casa, que olhou para a mãe no corredor e chorou porque não podia abraçar e conviver com ela da forma que estava acostumada.

Ela lembra de um paciente que chegou na UTI e em poucos dias foi a óbito. Ele era jovem, mas era obeso e não conseguiu se recuperar. Mas por um outro lado, ela conta, “houve momentos de muita alegria. Pacientes que chegaram aqui muito debilitados, mas que superaram a doença e saíram bem”, conta.
O antes e o depois…
“Eu sempre fui uma pessoa que gosta de cuidar. Já me peguei várias vezes prolongando o atendimento porque eu começava a conversar com o paciente e virava quase uma terapia. Isso era sem pensar. Sempre tive muito cuidado e empatia. Mas a Débora de hoje é muito mais corajosa. Sempre valorizei a vida, mas hoje eu valorizo muito mais. Eu vejo a importância de manter o contato com os familiares e amigos e falar sempre que possível”, diz ela.

Ela elogia bastante o trabalho do Hospital Universitário Oswaldo Cruz frente à pandemia. “Foi positivo. Foi decisivo. O hospital mudou e cresceu do dia para a noite se tornando um hospital aberto para pacientes de COVID. Eu nunca vi um hospital se estruturar dessa forma, em especial para a população mais carente”, destaca ela com orgulho na fala.
A esperança…
“O que me faz sorrir hoje são as vitórias que eu vi acontecer com os pacientes que tiveram alta, com os colegas que trabalho que tiveram perdas, mas conseguiram superar e ajudar outras vidas. Fico muito feliz em ver o amor sendo exacerbado nas famílias e na minha também. Nunca fui tão acolhida como fui nesse período. Eu recebia ligações de amigas e amigos falando ‘Débora, quando você quiser pode ligar’. Isso foi incrível”, lembra a fisioterapeuta falando sobre os motivos a fazem sorrir.

“Eu sofri preconceito por trabalhar na linha de frente. Algumas pessoas tinham medo de chegar perto de mim. Mas meu irmão me ligou falando que em casa ninguém tinha medo. E isso me deixou muito feliz.”
Ela deixa uma mensagem em forma de apelo: “já temos a vacina, mas é importante que ninguém deixe os cuidados contra a doença. Temos que continuar tendo cuidado. A pandemia é real. Então cuidem uns dos outros.”

Apesar de todas as lutas diante da pandemia, Débora consegue sorrir, agora, mesmo por trás da máscara.
